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Profissionalizar não é para amadores
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Artigo
Postado às 19:34 do dia 10 de Junho de 2008
Profissionalizar não é para amadores
Segundo notícias da Folha de 28 de março, o ministro da Educação, Fernando Haddad, pretende que o poder público passe a fazer a distribuição de recursos e a avaliar os resultados das escolas do Sistema S – Senai e outras.
No caso do Senai, o plano prevê priorizar os recursos para atender os alunos das regiões mais pobres, apesar de a indústria estar mais concentrada no Sul e no Sudeste do País, enquanto o mínimo de lógica recomenda que os investimentos em formação profissional sigam a vocação econômica das diferentes regiões.
O ministro quer fazer do poder público o guardião da avaliação dos resultados do ensino profissional oferecido pelos programas do Sistema S. Já vi esse filme em outros países da América Latina, e não gostei do final. A burocracia governamental não dispõe de ferramentas
para reconhecer com presteza a evolução tecnológica dos vários setores da economia para, com base nisso, fazer uma avaliação ajustada às características específicas de cada profissão.
Hoje quem avalia são as escolas e, sobretudo, as próprias empresas que empregam os egressos dos cursos. Como são elas que sustentam o Sistema S, sua insatisfação é rapidamente transmitida às escolas, demandando correções de rumos no conteúdo e nos métodos de ensino. Isso é feito com a participação de representantes do governo e dos trabalhadores que integram os vários conselhos do Sistema S. Existe algum mecanismo mais barato e mais eficaz do que esse?
As pesquisas mostram que no campo da formação profissional a interface entre empresa e escola é um mecanismo estratégico para definir currículos e fazer avaliação. Para que complicar, se podemos simplificar?
Acompanho o ensino profissional no Brasil há quase 50 anos. Em 1960 realizei minha primeira pesquisa sobre o Senai e de lá para cá nunca parei de estudar o assunto. Descobri que um dos mais preciosos ativos do Senai é o seu capital social.
O capital social é o conjunto de valores, atitudes, hábitos e comportamentos que dão personalidade às instituições. Entram aí o zelo, a disciplina, a organização, a pontualidade, a cordialidade, o respeito pelos professores, o comprometimento, a responsabilidade, o amor pelo bem-feito, a obsessão por apreender e o vírus da curiosidade – tudo o que falta na maioria das escolas públicas.
A pedagogia para transmitir valores e condutas é diferente da pedagogia para transmitir informações e conhecimentos. Estes passam bem com boas apresentações. Valores e condutas, porém, exigem exemplos. Daí a necessidade da proximidade entre
professor e aluno.
Os exemplos entram em tudo. Na conservação das escolas e da natureza. Na limpeza. Na ordem. Na pontualidade das aulas, das refeições, do lazer. No respeito e amor ao próximo. Na valorização do trabalho como realização humana.
Nunca vi um aluno do Senai sair da escola sem antes arrumar a bancada; sem limpar as ferramentas; sem cuidar de seu avental; sem deixar tudo em ordem. Nunca vi um aluno ofender o seu professor.
Nunca tive notícias de violência nas salas de aula. Nunca vi uma parede pichada. Nunca vi um banheiro depredado e sem manutenção. Nunca vi um gramado abandonado. Nunca soube que professores se tenham ausentado semanas a fio ou gastado mais tempo em reuniões do que na sala de aula. Nunca vi promoção sem mérito.
Penso que tudo isso faz parte da cultura das empresas. Não conheço empresa bem-sucedida que seja suja, desorganizada, relapsa e tocada por profissionais desleixados e sem ética do trabalho. A cultura da ordem empresarial se impregnou na cultura educacional do Senai. Foram fundidas numa coisa só.
É bom pensar bem antes de interferir nesse ambiente. Ele combina um conjunto de traços culturais e forças econômicas que dão às escolas um grande senso de objetividade. Problemas existem, é claro. Mas uma coisa é buscar formas de corrigir as eventuais distorções, respeitando o ethos da instituição. Outra é fazer uma intervenção estatal disfarçada que, no longo prazo, redundará em cabides de empregos, currículos obsoletos e uso político de equipamentos bem conservados.
O que parece estar por trás dessa medida é a incontida vontade da burocracia de plantão praticar mais um intervencionismo – ao lado de tantos – e comandar entidades detentoras de recursos estáveis porque são pagos pelas empresas.
*José Pastore é professor da FEA-USP. E-mail: jpjp@uninet. com. br.
Site: www. josepastore. com. br
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